Organizada em 96 artigos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) regulariza o sistema de ensino do País. Antes de sua homologação, em dezembro de 1961, a educação brasileira era somente citada na Constituição de 1934. Cinco décadas depois, porém, o que de fato mudou no cenário educacional do País?
De acordo com especialistas em educação, as mudanças se resumem em uma humanização do sistema educacional: se antes repetência era o único caminho para quem não atingia os objetivos da série em questão, hoje já se fala em dependência e recuperação. Da mesma forma, se em 1961 a educação especial era algo à parte da escola regular, nos dias atuais já se levanta a bandeira por uma escola inclusiva.
Para Hamilton Werneck, pedagogo e especialista em educação, a LDB de 1961 representou um grande avanço para o ensino nacional. De acordo com ele, antes disso, o ensino era basicamente conservador e vertical: professor ensina, aluno aprende. Como instrumento de aprendizagem, apenas quadro negro, lápis e papel. “Contra essa lei se levantaram todos os enciclopedistas que continuam até hoje lutando no sentido de evitar que se parta para um ensino voltado para um modelo sistêmico. Mas a tendência foi a de aproveitar os espaços e o tempo de estudo durante um ano letivo para proporcionar aos estudantes outras oportunidades e formas de aprender”, opina.
Foram necessários 13 anos de debate até que o texto final da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 fosse finalmente sancionado pelo então presidente João Goulart – quase 30 anos após ser prevista pela Constituição de 1934. Organizada em 120 artigos, essa foi a primeira legislação criada somente para regularizar o sistema de ensino do País tratando de aspectos como regulamentação de conselhos estaduais de educação, formação mínima exigida para professores e ensino religioso facultativo.
Depois, durante o regime militar, em 1971, o presidente Emílio Garrastazu Médici modificou aspectos do documento. A mudança, basicamente técnica, representou um avanço ao falar pela primeira vez na ideia de recuperação e dependência. “Antes, a ideia de recuperação era um verdadeiro crime. O aluno, para os conservadores da época, não deveria ter um ensino que permitisse alternativas. (A escola deveria) somente separar os que sabiam dos que não sabiam, sem possibilidade de recuperação do tempo perdido”, analisa Werneck.
Nova LDB
Mas foi somente no dia 20 de dezembro de 1996 que o então presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou o que veio a se tornar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação da atualidade. A modificação na lei de 1961, feita pelo relator e antropólgo Darcy Ribeiro, foi resultado de um trabalho de seis anos. Na época, o Plenário se dividia em duas propostas que visavam atualizar a antiga LDB, já considerada obsoleta com metas como 4º série primária obrigatória e um artigo voltado somente para a educação de “excepcionais”.
A primeira proposta, conhecida como Projeto Jorge Hage, foi o resultado de uma série de debates abertos com a sociedade, organizados pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. A segunda proposta foi elaborada pelos então senadores Darcy Ribeiro, Marco Maciel e Maurício Correa em articulação com o poder executivo por meio do Ministério da Educação (MEC). Entre as duas, a principal divergência era sobre o papel do Estado na educação: a primeira se preocupava com mecanismos de controle social no sistema de ensino, e a segunda previa uma estrutura de poder centralizada. Apesar de conter alguns elementos levantados pelo primeiro grupo, o texto final se aproxima mais das ideias levantadas pelo segundo.
Depois disso, três emendas modificaram o documento original. A primeira foi em 2001, quando foi sancionada a primeira lei do Plano Nacional de Educação (PNE). Depois, em 2009, quando ocorreu uma ampliação da obrigatoriedade da oferta e matrícula para jovens de 4 a 17 anos. E a última em 2010, que tornou o ensino de arte e suas expressões regionais obrigatório na grade escolar.
Werneck, que também foi integrante do Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro, afirma que depois de 1968 diversas mudanças ocorreram na regulamentação da educação superior, o que influenciou significativamente vários cursos universitários. “Ela acabou, por exemplo, com a divisão do curso de letras em neolatinas e anglo saxônicas, priorizando, sobretudo, o ensino do inglês. Perdemos, a partir dessa época, a formação de professores de italiano, espanhol e francês”, critica.
‘O conceito de inclusão foi o que mais mudou na LDB’, diz especialista
Werneck destaca a inclusão como o aspecto que mais mudou ao longo dos anos. Ele afirma que o conceito foi se abrindo e se aprimorando em cada emenda feita. “Poderíamos dizer que a trajetória é de uma escola elitista, excludente e enciclopédica que foi se humanizando ao longo do tempo”, afirma.
Ao analisar as modificações documentais que ocorreram na LDB sobre o tema inclusão, o professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Juca Gil diz que as nomenclaturas sobre o público-alvo foram as que passaram por grandes transformações. Se em 1961 se falava da Educação de excepcionais, na Constituição Federal de 1988 eles já eram citados como portadores de deficiência. Na lei de 1996, foram denominados educandos portadores de necessidades especiais e, na Resolução de 2011, do Conselho Nacional de Educação (CNE), educandos com necessidades educacionais especiais.
O professor acredita que esse cuidado com a correta denominação é importante, pois mostra a preocupação nacional em identificar quem são esses alunos e quais tratamentos educacionais merecem ter. Contudo, a garantia de uma educação pública para todos, prevista em lei, tem se mostrado uma tarefa complexa. A principal discussão quando o assunto é inclusão, de acordo com ele, é a garantia de uma escola inclusiva ou a de um atendimento especializado para pessoas com deficiência. “Deveríamos aprender a lidar com as diferenças vivenciando-as, e não as escondendo em outras salas ou escolas”, opina.
‘A teoria da lei é perfeita, o que falta é prática’, defende educadora
No site Conexão Professor, mantido pelo governo do Rio de Janeiro com o objetivo de reunir artigos e opiniões de educadores do Estado, a diretora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Lia Faria, e a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Andréa Serpa deixam claro que, apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito quanto à educação. Para Andréa, o grande problema é o não cumprimento da legislação.
De acordo com ela, todos os artigos do documento educacional são “belíssimos”, mas nem todos são cumpridos. “Desde 1996, se fala em valorização do professor. Mas cada vez mais os professores encontram-se sozinhos em suas turmas lotadas, resolvendo todas as questões sociais que a pior distribuição de riqueza do planeta gera, sem apoio algum e recebendo salários miseráveis”, afirma, destacando também o problema de gestão educacional. “A lei fala em gestão democrática, mas o que se vê são sistemas criados à revelia. Mães, professoras, alunos, coordenadoras são ignorados em suas especificidades e diferenças”, completa. “O que precisa ser modificado, em primeiro lugar, é o respeito à lei. Que ela se cumpra”, conclui.
Para a diretora Lia Faria, nem a teoria é tão perfeita assim. O percentual de recursos destinados à educação ainda é um problema na visão dela. “A lei não proporcionou grandes conquistas referentes à questão dos recursos públicos a serem aplicados, sobretudo no que diz respeito às verbas para a educação”.
Fonte: Portal Terra