Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Araucária.

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13 de maioPor Jorge Galarce – Professor da rede municipal, Coordenador de Organização sindical do SISMMAR e Presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Araucária (Compir)

Muitas pessoas questionam por que grande parte do Movimento Negro Brasileiro critica esta data. E eu respondo que motivos para isso não faltam.

PRIMEIRO: Ao voltarmos nossos olhares para o Brasil Império do século XIX, iremos encontrar um Brasil em conflitos, com guerras e revoluções de norte a sul, e para além do nosso território, grandes conflitos internacionais, inclusive aqui na América do Sul. Neste emaranhado de conflitos explode a questão agrária no Brasil – e é neste contexto que há rebeliões de escravos por todo o Brasil. E na economia e na política se  fortalecem as ideias progressistas (na época) do movimento republicano – a elite brasileira não suporta mais os desmandos da monarquia, e por outro lado, os conflitos políticos e econômicos aumentam a pressão contra o Império. É neste contexto, oriundo de pressões econômicas da Europa – e principalmente da Inglaterra – que o Brasil é forçado a aprovar a Lei Áurea, “acabando” com a escravidão no país. Cumpre alertar que o Brasil é o último país das Américas a acabar com a escravidão. E que mesmo aqui no Brasil, as Províncias do Ceará e do Amazonas já haviam acabado com a escravidão em 1884. Ressaltamos também que o Brasil estava tão pressionado externamente que a lei foi assinada pela Princesa Isabel, e não pela autoridade máxima do país, na época, o Imperador Dom Pedro II.

SEGUNDO: Porque junto com a Lei Áurea não vieram políticas públicas que assegurassem à população negra trabalho, renda e moradia. Ao contrário, grande parte da população negra foi jogada às ruas, jogada à própria sorte – alguns com ocupações pobremente remuneradas, tais como: limpar sapatos, limpar trilhos de trens, carregar malas, transportar latas com água, limpar casas, vender doces, construir calçadas de pedras, e para algumas mulheres só restou a prostituição. É neste contexto que surgem os cortiços, e mais tarde, para embranquecer os centros das cidades portuárias, as favelas.

TERCEIRO: O Estado x A População Negra – É neste momento histórico de grande convulsão social que o Estado Brasileiro começa a montar os pilares que vão garantir a não formação de uma classe média negra no Brasil. E do outro lado, vai fortalecendo a política de branqueamento no país.  Abaixo vamos apresentar alguns elementos desta política de branqueamento:

1- Na Constituição de 1824 havia uma Lei Complementar que proibia a população negra de frequentar a escola;

2- Lei das Terras Nº 601(1850) que permite ao Estado combater os quilombos, tirando dos negros o acesso à terra e à produção nela;

3- Guerra do Paraguai – o governo manda para a guerra um exército de mais de um milhão de homens negros sem equipamentos e armas adequadas, com a promessa que em caso de vitória lhes concederia terras e a liberdade – a vitória aconteceu (deixando para trás milhares de corpos negros), a liberdade também, mas as terras produtivas não. Ao invés disso foram concedidas terras onde nada crescia;

4- Decreto 528/1890 facilitando a imigração europeia, concedendo terras produtivas – e emprego assalariado no campo/ e respeitando todas as convenções internacionais / em relação aos negros nada disso era considerado;

5– Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, em 14 de dezembro de 1890 manda queimar todos os registros nos cartórios brasileiros referentes à escravidão, apagando histórias e memórias negras, e ao mesmo tempo evitando qualquer tipo de futura compensação econômica ou processos judiciais em favor da população negra;

6- No campo do direito penal as teorias científicas que tentavam provar que a criminalidade estava no DNA da população negra, tendo como seu expoente Mena Barreto, e que vai fundamentar leis do processo penal brasileira, criando no nosso código penal duas justiças – uma com elementos que facilitam o encarceramento da população negra, como a lei da vadiagem, e outros que livram a população branca ou mais rica da cadeia, como o instituto da prisão especial para os detentores de curso superior. Lembram daquela juíza em Curitiba que incluiu na sua peça penal a justificativa que o réu era negro e, portanto, tinha grande propensão a cometer atos criminosos? Ainda hoje prosperam pensamentos desta natureza em parcelas do judiciário brasileiro;

7- Monteiro Lobato e as políticas higienistas visando a exclusão da população negra do Brasil – segundo o autor era necessário sanear para integrar – entendendo sanear como embranquecer o Brasil;

8- É só com a constituição de 1934 que a população negra tem o direito ao voto, mesmo assim, este direito é parcial, porque excluía do processo eleitoral mendigos e analfabetos, isto é, por tudo aquilo que temos visto ao longo deste texto, uma faixa bastante significativa da população negra;

9- O Silenciamento da Igreja Católica e a Negação da História, Cultura e Religião Africana diante das questões raciais que têm início com os padres jesuítas na missão de catequizar índios e escravos – diziam eles que os negros não tinham cultura, não tinham religião e por isso deveriam ser catequizados, mas a catequização não garantia ao negro o status de igual. Ainda hoje, quando vamos ao município da Lapa/PR, há uma igreja, na qual há espaços para homens e mulheres, com o espaço mais elevado destinado ao padre – e aos negros – uma ala lateral. Ao longo da história a igreja vai se aliando ao Império, à República e aos regimes autoritários, virando as costas para a população negra. Ou seja, Estado – Igreja – Ciência, vão fomentando bases para a construção daquilo que hoje chamamos de Racismo Estrutural e Racismo Institucional.

Algumas Reflexões

Portanto, é por tudo isso que o Estado Brasileiro possui uma dívida imensa com a população negra brasileira. É por isso que existe o Estatuto da Igualdade Racial, na tentativa de correção da violência histórica que nós negros sofremos no passado, e ainda sofremos até hoje. É por isso que somos favoráveis às cotas no serviço público e nas universidades federais. Ninguém perde uma vaga de emprego por ser descendente de imigrantes europeus – mas, à população negra, empregos e acesso a cargos de maior expressão são negados todos os dias (tanto que a muitas pessoas causa espanto e revolta ver um negro ou uma negra em cargos de liderança).  É esta população que todos os dias é alvo de balas perdidas (aliás, sabemos de onde elas vêm, elas quase sempre partem do Estado – e sabemos quem sempre é o alvo, portanto o nome perdidas deveria ser trocado para endereçadas).

O MIMIMI não está na cabeça da população negra, o Brasil é sim um país racista – estão aí explodindo casos de racismo nas escolas, no transporte público, nas Câmaras e Assembleias, nos condomínios, nos shoppings, nos campos de futebol, no trânsito e/ou nas ruas de qualquer cidade brasileira –  o MIMIMI está na cabeça de quem desconhece a história do Brasil em relação à população negra. E é nossa função enquanto negras e negros, e toda a população branca antirracista combater permanentemente o racismo, como afirma a teórica americana Angela Davis.

Que o 13 de maio seja um dia de reflexão – e seja o dia da Abolição de Todos os Estereótipos e Preconceitos – que seja o dia da grande marcha – da construção do sempre, cada vez mais, admirável mundo novo.

O Estatuto da Igualdade Racial abre a possibilidade para a reparação histórica que o Estado Brasileiro deve à população negra, seguimos avançando juntos.

Por mais Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial para que um dia possamos ser, de fato, o Canto das Três Raças e esta seja sempre a nossa maior riqueza!

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